terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Angústia ao fim da tarde

Estava um fim de tarde em tons cinza e sonolento; o tempo escoava-se lentamente, sem sequer ser perceptível que passava; as nuvens pareciam estar imobilizadas há dias, não soprava a mais pequena brisa e nem as folhas das árvores, nem as flores, nem mesmo aquelas nuvens se moviam; mas, talvez contraditoriamente, sentia-se um ar carregado de tensão como se a natureza estivesse prestes a explodir; sentia-se um cheiro que mal se identificava, porque era uma mistura de queimado e podre, o que dava um tom lúgubre àquele fim de tarde.
Naquele momento, ela estava sentada no terraço, com as mãos pousadas nas coxas, tão imóvel como a natureza. A sua cabeça não se mexia, como parecia não se mexerem os olhos e todo o corpo; parecia parte integrante daquela natureza  que se afigurava morta, mas que ameaçava despertar a qualquer momento. Havia uma tal identificação com a natureza que nem as nuvens reflectidas nos seus olhos lhe davam qualquer vida. No entanto, o seu rosto parecia conter a história de toda a sua vida, todos os sentimentos, emoções, lágrimas e risos, vitórias e derrotas; e isso, apesar de parecer confundi-la, dava-lhe uma expressão de coragem inexplicável, como tentando viver tudo o que nunca vivera, sentir o que sempre reprimira, provocar o que sempre calara, experimentar o que antes  achara fútil; mas, repentinamente, o seu rosto crispou-se  e criou uma máscara de medo; medo que fosse tarde, de não ter tempo, de envelhecer precocemente. Estava naqueles pensamentos, quando, lá fora, começou a cair uma chuva miudinha e isso provocou-lhe uma sensação estranha, um aperto no ventre e uma angústia asfixiante. E começou a chorar, devagarinho, em silêncio, como a dizer que compreendia a natureza na sua dor, sentindo que aquela dor as imobilizava, a ela e à natureza.

3 comentários:

  1. tens futuro meu amigo, texto conciso, afável, emocional sem ser piegas
    gostei
    Silvia

    ResponderEliminar
  2. Caramba, Manuel, nunca é tarde para dar voz à emoção - as palavras fizeram-se para isso e estão sempre a tempo. Parabéns!

    ResponderEliminar